Até para financiar a construção de um represa de água na província da Huila no valor de cerca de 66 milhões de euros, o MPLA recorre a um sindicato bancário português. Ao novo inspector-geral da Administração do Estado, João Pinto, João Lourenço pede que coopere com os outros órgãos. Angola está nas mãos de todos, menos dos angolanos. Continuamos a ser um país de faz de conta.
O diploma que autoriza a construção da represa, visa assegurar os recursos financeiros para a construção da represa de água de Chicomba 1.ª fase – Estiagem, através de um acordo de financiamento entre Angola e o sindicato bancário constituído pelo Banco BAI Europa e Banco Comercial Português, entre outras instituições financeiras.
O acordo prevê o financiamento de 85% do valor do contrato comercial e 100% da comissão de garantia da Agência de Crédito à Exportação Portuguesa, Banco Português do Fomento.
A Huíla é uma das províncias mais afectadas pelos períodos cíclicos de seca que afectam o país.
Noutra vertente que reflecte a criminosa incompetência governativa, há 48 anos nas mãos do MPLA, verificamos que Angola é de todos, menos dos angolanos.
O mercado angolano está assim segmentado.
– Grossistas: Libaneses, Etíopes, Eritreus, Indianos, Chineses.
Retalhistas: Mauritanos.
– Lojistas: Oeste Africanos (senegalês, guineenses etc.).
– Peças de carros: Nigerianos e Etíopes.
– Bancos de transferência: Nigerianos.
– Zunga e venda no mercado ou contabilistas: Angolanos e Zairense.
– Banca e seguros: Portugueses.
– Petróleo: Americanos, Franceses, Ingleses.
– Saúde: Portugueses com clínicas, Indianos com farmácias.
– Material de construção: Libaneses.
– Empresas de construção: Portugueses e Chineses.
– Supermercados: Libaneses, Indianos e Eritreus.
– Shopping/centros comerciais: Chineses.
– Contabilidade e auditoria: Portugueses.
– Padarias, pastelarias e restaurantes de proximidade: Libaneses.
Embora o regime continue todos os dias a pôr os angolanos mais pobres, mais famintos, mais esqueléticos, mais perto da morte, os dirigentes políticos (todos do MPLA) continuam a dormir bem, a comer bem e a dar o que resta dos seus lautos repastos aos seus cães e não aos pobres.
Em Angola, para além dos milhões que legitimamente só se preocupam em encontrar alguma coisa para matar… a fome, nem que seja nos restos deixados pelos cães do Presidente da República, uma minoria privilegiada de familiares e acólitos dos dirigentes do MPLA só se preocupa em ter – com a preciosa ajuda da acocorada comunidade internacional – mais e mais, custe o que custar. Mais e mais, sobretudo fora do país, não vá um dia destes uma qualquer Primavera rumar a Luanda.
Quando alguém diz ou escreve isto corre o sério risco de que os donos do poder o mandem calar, se possível definitivamente. Não nos esquecemos, apesar de teimarmos em dar voz a quem a não tem (a esmagadora maioria do Povo), que um dia destes um jacaré pode saltar da uma viatura da Polícia e fazer de nós um soberbo manjar.
Mas, como dizia a outro propósito mas com uma actualidade divina Frei João Domingos, “não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”.
Que estamos quase a saber viver sem comer, isso é uma verdade que só deve regozijar os donos do reino que continua a ser esclavagista. Como dizia Zeca Afonso a propósito do regime de Salazar (em tantas coisas tão parecido com o nosso, às vezes para melhor), eles comem tudo e não deixam nada. E nada deixando, importa explicá-lo agora ao Presidente João Lourenço, nem os jacarés vão gostar de se alimentar de corpos esqueléticos.
Também por cá (é que esta gangrena tende a espalhar-se) o Povo pergunta (baixinho ou em silêncio) como é possível acreditar num regime cujo objectivo único é fazer com que os poucos que têm milhões tenham mais milhões, roubando e escravizando os milhões que têm pouco ou nada?
Citando de novo, e tantas vezes quantas forem preciso, Frei João Domingos, em Angola “muitos governantes, gestores, administradores e similares têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”.
É caso para perguntar: os jacarés não gostarão mais de carne reluzente mas putrefacta?
Na verdade, apesar de podres de ricos por dentro e por fora, continuam a viver à grande e à MPLA, enquanto o Povo se prepara para morrer de fome, por falta de assistência médica ou por se transformar em bom alvo para os algozes exercitarem o seu endémico esclavagismo. O tempo em que o mais importante era resolver os problemas do povo (assim dizia Agostinho Neto), já lá vai, se é que alguma vez existiu.
Tal como muitos dos ortodoxos do MPLA, que gravitam na bajulação ao “querido líder” seja ele qual for, o Presidente João Lourenço tem de deixar de pensar que Angola só pode ser do MPLA. É que, pensando como o seu anterior “querido líder”, o que sobra dos abundantes regabofes do seu séquito não vai para os escravos, mas sim para os rafeiros que gravitam sempre junto à manjedoura do poder mas que, quando tal acontecer, estarão na primeira linha dos que vão derrubar a estátua…
É claro que o que sobra não vai para os pobres porque, apesar de eles estarem ao dobrar de todas as esquinas, oficialmente não há pobres em Angola. Aliás, como é que poderia haver fome se (ainda) existe fartura de farelo? Parafraseando o magnânimo Kundi Paihama, se os porcos comem farelo e não morrem, também o nosso Povo pode comer.
Embora seja um exercício suicida, dos tais que alimentam os jacarés, importa aos vivos não se calarem, continuando a denunciar as injustiças, para que Angola possa novamente abolir o esclavagismo e, dessa forma, ser um dia um país diferente, eventualmente uma nação e quiçá até uma pátria de liberdade, equidade e progresso social.
O Povo sofre e passa fome. Os países valem, deveriam valer, pelas pessoas e não pelos mercados, pelas finanças, pela corrupção, pelo compadrio, pelas negociatas. É por tudo isto que a luta continua. Tem de continuar.
Enquanto os escravos não se revoltarem, os donos do país vão continuar a vestir Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna e comprar relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex, a fazer festas de aniversário gastando 200 mil euros. E eles, os escravos, vão subsistir com peixe podre, fuba podre, panos ruins e porrada se refilarem.
Enquanto os escravos já nem sabem se têm barriga, os criminosos vão continuar a ter à mesa trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e várias garrafas de Château-Grillet 2005.
João Lourenço talvez acredite que, como dizia Guerra Junqueiro em relação os portugueses, somos “um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas”. Mas não somos.
Talvez acredite que somos “um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta”. Mas não somos.
Talvez acredite, e se calhar com razão, que em Angola “uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos”.
Talvez acredite, e com razão, que em Angola existe “um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do Presidente e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País”.
Entretanto, alguns angolanos (ainda não tantos quanto o necessário) sabem que – adaptando a tese de Guerra Junqueiro – Angola tem “um MPLA sem ideias, sem planos, sem convicções, incapaz, vivendo do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogo nas palavras, idêntico nos actos, igual ao outro do tempo de partido único como duas metades do mesmo zero”.
E é por tudo isto que são cada vez mais os cidadãos que não conseguem, ou não querem, comer gato por lebre e dizem que neste regime há cada vez mais criminosos a viver à custa dos imbecis dos angolanos.
No entanto, mesmo esqueléticos, famintos e doentes sempre podem ter força para fazer o que é necessário, nem que seja a última coisa feita em vida…